Silêncio.

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Este texto é do dia 28 de outubro de 2012.

Já pensei em fazer um diário online, mas teria que ser secreto, se não iria me colocar em confusões no mínimo chatas.

Não por querer expor aos quatro cantos minha vida e sim porque acho que várias pessoas passam por coisas semelhantes e é legal ler. Sempre procuro blogs que tenham algo a ver comigo e essa sensação de “não estou sozinho no mundo” é bem reconfortante. E obviamente porque não gosto de falar sozinha.

Porém, como dito, isso me causaria um enorme transtorno. Então eu não faço, só que infelizmente não posso correr do fato de gostar de escrever certas situações da minha vida pelo meu ponto de vista e alguns pensamentos randômicos. Não é por mal, juro, mas vai que você é um desconhecido que chegou nesse blog durante uma madrugada e pode se divertir, se encontrar com meus relatos? Isso seria bacana.

Então hoje estava num barzinho, daqueles que todo mundo fala alto, bebe e sorri muito, como se não tivesse uma fatura de cartão de crédito absurda para pagar. Estava sem assunto, um milagre. Na verdade teria ficado feliz em ficar em casa lendo ou jogando video game, mas fomos todos para o social, alguém inventou que é importante.
Em determinado momento me centrei numa garrafa na outra mesa e fui isolando o som. Até que estava tão concentrada ao ponto que não ouvia quase nada, só o falatório abafado.

Isso foi muito interessante, menos para quem presenciou a cena, devia ter um aspecto de lunática.

Lembrei que costumava fazer isso quando minha madrasta começava a me falar absurdos. Penso que se tivesse ouvido metade de tudo que ela me falou dos meus 10 aos 13 anos teria pulado da ponte – ou jogado a desgraçada de uma.

E bem, é assim. Você isola aquilo que não te faz bem e se centra no que é bom, como a garrafa de cerveja. Fácil falar, mas na prática – como no bar – sempre tem um filho da puta que grita alto e te tira a concentração.

De qualquer forma é algo válido de registro né? Não.
Mas precisava escrever.

O amor no tempo da internet

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Faz anos desde que recebi uma carta. Sou da geração 90, que aproveitou a adolescência com doses de tudo aquilo que pode corromper a mente: internet em excesso, música de procedência duvidosa e um salário mínimo que lhe permite tomar muita Coca-Cola.

Nisso o bom e velho hábito de escrever cartas, selecionar músicas, buscar livros, escolher amigos, foi-se embora com a facilidade de ter tudo vomitado e de fácil digestão. Assim como o entretenimento, as relações foram fortemente comprometidas com o advento tecnológico.

Em alguns momentos da minha vida eu apenas não me dava ao trabalho de sair de casa, conversava pelo Skype com o namorado, contava a última para a amiga pelo falecido MSN e lia a dica da semana no Orkut. Quem acha que a nova moda “selfie” é nova, nunca teve a felicidade de ter o Fotolog, onde meninas pintavam o cabelo de azul e tiravam fotos em parquinhos.

Mas nada foi tão comprometido com toda a quinquilharia de sites e redes sociais como o flerte, namoro, casamento e a separação finalmente causada pelo Facebook. Tantas formas de exibir a vida fizeram disso uma moda. A moda da exibição de felicidade gratuita ou depressão justificada.

Namorar hoje em dia é um desgaste incrível, porque não basta ter aquela graninha do sorvete de domingo, umas notas para uma viagem uma vez por bimestre ou um anel de prata, bons poemas na ponta da língua e a conversa com a família aos domingos, agora é necessário declarações de amor constantes, fotos fofas e uma constante verificação de como anda a timeline do parceiro(a). Infantil ou não, é algo real na vida de muitos.

Brigas são resolvidas pelo velho modo: na base da indireta e ironia, o problema que é em público, para muitos curtirem ou retuitarem. Em que momento a privacidade se perdeu porque não demos devido valor a ela? E exatamente quando os relacionamentos e o suposto amor vai embora pelo mesmo ralo?

O BBB é um dos programas mais xingados, quase todo mundo já mandou aquela frase chave “Vá ler um livro, não veja BBB”, porém, ele faz sucesso porque nós gostamos de cuidar da vida um do outro. Conseguiram ter a ideia genial de um programa onde é permitido e é fácil criticar, julgar, apontar e não ser revidado por isso. Aquilo também é a perfeita imagem do que somos.

Se relações humanas, se o máximo da intimidade – que acredito ser o enlace amoroso – pode ser tratado de forma tão banal e aberta a um público que nem sempre deseja a felicidade, estamos realmente nos importando com o futuro de algo? Acredito que não. Não há futuro, há um presente imediato onde se faz necessário a felicidade ou a reclamação constante, porque o importante é compartilhar.

Sinto algumas vezes por dia que queria ter nascido numa época diferente ou numa outra versão do que temos. Queria ter a minha disposição tudo que a internet proporcionou: livros, informação, escrita eficiente para milhares de pessoas xingarem e opinarem, contato com pessoas distantes e um diálogo leve e interessante com qualquer um, em qualquer lugar do mundo, mas também queria uma boa conversa de beira de rua, uma briga em quatro paredes com direito a gritinhos histéricos, ter amigos reais e amar sem aparências.

Cena do musical Hedwig And The Angry Inch, em que Hedwig, uma travesti extremamente cativante, canta sobre A origem do Amor, um mito contado por Platão no livro O Banquete.

Tenho verdadeiro medo do que seremos daqui 10 anos, do que a história de Platão terá sido transformada. Em O Banquete, o filósofo conta de seres separados pela ira, que viviam uma vida pela procura da outra metade, que morriam de tristeza diante da solidão. O conto sobre o amor verdadeiro pode ser a história mais ridícula já contada, mas pelo menos lá o ser humano era só sem sua outra metade.

Aqui temos pessoas unidas na solidão.
http://lounge.obviousmag.org/nao_mataras/2014/01/o-amor-no-tempo-da-internet.html#ixzz2sgLSxpjB

A Ditadura da Inteligência

lorenzobusato_alberteinstein.jpg Albert Einstein sendo culto.

Não acredito no poder de citações para provar um ponto ou concluir um pensamento, acredito em citações quando alguém também refletiu sobre algo e você concordou ou encontrou um elo com o que pretende naquilo. Então, acho válido citar Kant no princípio deste texto para que você, leitor, entenda do que estou a falar: “Erudição não cura estupidez e nem garante que a pessoa tenha adquirido autonomia intelectual”.

Agora como tenho por hábito iniciar tudo com uma boa e velha história, dou inicio a um relato que marcou os mares do que seria minha ambição profissional.

Quando tinha meus 15 anos de idade, ganhei de presente da minha mãe os livros da saga Crepúsculo. Na época era o que estava em alta e como ela sabia que gostava de ler, me deu de presente e coincidiu que nessa mesma época eu não usava muito o computador, ainda não tinha um – algo que viria a ganhar exatamente um ano depois – e eu li, adorei, li de novo. Fui à biblioteca e peguei alguns livros de romance, Nora Roberts, coisas assim.

Até então eu tinha uma ótima lista de livros, de poesia a bibliografias, não fazia distinção de nada, lia porque amava ler e assim continuei, calhou que alguns títulos seriam a Bíblia para os intelectuais atuais. Chegou meu aniversário de 16 anos e eu ganhei um computador, daqueles mais antigos, o famoso PC com um gabinete barulhento e foi como dar doce para uma criança. Fiquei horas naquilo, no falecido MSN, fiz um Orkut na época, li mais um monte de livros e foi lá que terminei meu primeiro Proust, de quem iria virar fã.

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Capa do primeiro livro da Saga Crepúsculo.

Num dos fóruns que participava havia um tópico “Coloque aqui seus livros preferidos” e eu tragicamente coloquei Crepúsculo na minha lista e minha vida social na internet naquele dia chegou ao fim. Chamaram-me de muitas coisas: manipulada, burra, péssimo gosto para literatura e uma amiga me falou que não esperava isso de mim, que ela achou que eu era diferente daquele povo sem cultura. Eu fiquei arrasada naquela altura, eu não conhecia uma disputa velha e muito repercutida na internet. Que é a guerra pelo mais esperto, inteligente, intelectual e culto.

O ponto não é esperar uma sociedade mais informada, questionadora e participante, o ponto é apenas provar que é melhor que o outro, aquele que apenas não está inserido no seu patamar de “inteligência”.

O que me fez lembrar desse ocorrido e escrever este texto foi uma discussão descontraída sobre o tema na mesa de jantar e a recente leitura de um artigo da Veja de 2001, onde é discutido o sucesso das pessoas inteligentes, como elas não precisam de muito mais do que seus cérebros super potentes, tudo isso sendo jogado pelo Presidente da Mensa Brasil, um clube internacional para pessoas com um QI “superior ao normal”.

No artigo uma tal de Cathi Cohen afirma que “As pesquisas têm demonstrado que as pessoas com menor quociente de inteligência tendem a ter pior performance na escola, carreiras profissionais problemáticas, laços familiares frágeis e, por tudo isso, a apresentar mais freqüentemente quadros depressivos”. A informação se modificou atualmente, com pesquisas mais bem direcionadas, mas infelizmente muitos ainda repetem tal coisa.

Ainda há um trecho que preciso colocar aqui antes de trabalhar a ideia “O roqueiro Roger Rocha Moreira, do grupo Ultraje a rigor, tem 44 anos e QI 172 – altíssimo. O QI médio fica entre 90 e 110. Ele está em uma das fotos que ilustram a abertura desta reportagem. Roger se alfabetizou sozinho aos 3 anos de idade, pulou a 4a série primária porque já sabia tudo que estava sendo ensinado e chegou ao 2o ano do curso de arquitetura antes de decidir seguir carreira musical. ‘Sempre consegui tudo que quis’, ele diz.”

Agora, podemos voltar ao ponto de partida, onde temos uma sociedade que nos exige sucesso também. Temos que ter Doutorado, carro, casa, relações estáveis, amigos fiéis e um cachorro de raça, também devemos gostar de viajar, beber vinho ou cerveja importada, não acreditar em Deus e claro, ler livros maravilhosos, de autores consagrados. Temos que ser inteligentes, porque inteligência é isso.

Roger conseguiu tudo que quis porque tem um QI de 172, seus riscos de ter depressão são baixos. Eu que li Crepúsculo não devia nem estar aqui escrevendo, devia estar morta, tendo me jogado do décimo primeiro andar depois de perceber tamanho vazio na vida.

O caso a ser discutido não é sobre a massificação da literatura ou estudos avançados sobre a felicidade em pessoas extremamente inteligentes, é como nós, sociedade atuante e infelizmente agora usuários de Facebook, estamos dividindo as pessoas em três grupos distintos e quase fazendo um bullying com elas: os cultos, os belos e os malditos.

Eu mesma já fiz isso em certa altura com pessoas do meu meio – e isso é uma exemplificação do que é burrice, fazer com o outro o que fizeram com você -, apontei a leitura precária delas, comentei sobre a alienação e falta de opinião política quando nem eu tinha conhecimento sobre política. Citei 30 autores diferentes para comprovar um ponto, ostentei minha literatura refinada e me olhei no espelho. O que estava fazendo com meu cérebro afinal?

Acredito que não sou um caso isolado, conheço pessoas ao meu lado, vejo elas todos os dias, aquelas que apontam a ignorância alheia quando definitivamente não sabem nada. Andam pelos corredores carregando no braço livros de Sartre, Foucault, Saramago como se fosse uma Bíblia, proclamam citações como se fossem verdades absolutas e apontam o dedo para tudo que não englobar essa roda de burrice funcional. É a autoafirmação: eu sou, eu consigo, eu quero, eu tenho potencial e facilidade, eu venço porque sou mais rápido no Google.

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Se você sempre tenta parecer inteligente, vai acabar parecendo estúpido – Alex Noriega. Você pode ver mais trabalhos de Alex aqui.

Inteligência é algo muito mais complexo que 30 livros europeus e a palestra do seu professor de Sociologia. O senhor que me vende alfaces todos os dias tem uma capacidade superior de refletir, constatar e compreender, isso faz dele inteligente. Quem tem muito conhecimento e tenha agregado ele por leitura, TV, filmes, discussões, aulas e debates não é superior ao Seu Francisco, só diferente.

Batalhamos por informação na tentativa de demonstrar inteligência e nisso mostramos descaradamente a face da verdade, de que não há reflexão, compreensão, embasamento, apenas uma superficialidade desastrosa que nos impõe saber tudo, não importa a idade, momento, cultura ou expectativa. Isso é burrice.

O verdadeiro erro aqui mostrado não é a discussão sobre QI, ou se você consegue terminar a revista de Sudoku no nível mais difícil – é verdade que ler livros mais reflexivos faz bem e eu aconselho, não vou contra o pesquisador que me falar qualquer coisa desse gênero – , o que me incomoda como atacada e atacante é que nos exigem saber sem ensinar, conhecer sem apresentar e evolução sem paciência.

Falam que o brasileiro é burro, é preguiçoso, que não luta por seus direitos e é viciado em novela, mas o europeu, este é maravilhoso, faz passeatas, luta por seus direitos e há ainda os ingleses, que deixam de fazer sexo para ler ( ! ), devemos ser assim, temos que cobrar isso de nosso povo. Europa tem quantos anos de civilização? Como foi sua colonização? Quantas Guerras mesmo? Ah sim, claro, faz todo sentido, nós que temos 513 anos, uma colonização que até hoje faz com que nosso povo nade na merda, onde mais da metade da população trabalha mais de 40 horas semanais para sustentar a família e você, querido universitário que sua preocupação maior é terminar aquele livro de pompa vem me falar que este povo é burro.

Até onde eu sei estudamos, batalhamos e tentamos mudar essa realidade triste sendo mais conscientes, aproveitando da alegria de poder colocar o máximo de empenho em pesquisa para que um dia nosso país se liberte das garras da suposta alienação. Até onde eu sei faculdade ou conhecimento nenhum te dá direito de rebaixar um povo que só é mais vez: diferente, numa realidade diferente, numa expectativa diferente.

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Veja mais da genialidade deste artista no Laboratório de Remédios.

Isso me fez crer que eu estudo, eu leio, eu pesquiso, eu assumo que nada sei e que quero compreender mais para fazer um país melhor. Quando levantar do sofá e for para as ruas, quero gritar até minha garganta doer por algo que entendo e acredito. Não quero fazer isso porque é legal, porque a galera está lá. Porque o gigante não acordou, porque eu acordei.

Da mesma forma que em minha lista de leitura até hoje contém Crepúsculo, como ele também está na minha prateleira e se alguém me perguntar, darei uma crítica verdadeira sobre. Você que nunca leu, deveria ler, acredito que pior que vampiros que brilham, é um individuo que não usa sua inteligência, isso é mais ofensivo.

http://lounge.obviousmag.org/nao_mataras/2014/01/a-ditadura-da-inteligencia.html#ixzz2sgL4txAU

Notas sobre uma escolha

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É uma escolha decidir trabalhar 10 horas por dia com o pretexto de garantir todo conforto e garantias para o filho, porque definitivamente uma criança não precisa disso. Não precisa ir para a Disney, ter um celular, computador, três caixas de brinquedos e roupas de marca.

Quem precisa disso são os pais, que em algum momento conceberam a ideia de que isso é amor, é cuidado e é garantia de felicidade – e por mais louvável que seja os esforços e sacrifícios -, uma criação precisa de bem menos. Contato, pele, brincadeiras, atenção e paciência, itens que não estão disponíveis numa prateleira, que não pode ser parcelado no cartão de crédito.

Estamos cercados de confortos e facilidades e almejamos isso para nossos rebentos, mas quando nos perguntamos no final do dia “Sou feliz?”, nem todos podem responder sim e uma grande parcela apenas não está mais preocupada com essa questão.

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A distância causada pela modernidade é um preço caro a se pagar quando revemos aquilo que um dia ditou o conceito de família. Desacelerar, simplificar e reavaliar é um processo complexo e que muitos ainda não estão preparados para encarar de forma ampla e honesta. Mas mesmo quando incorporamos porções disso em nosso dia a dia, a mudança é notada e os resultados são um bálsamo para relações humanas cada vez mais frágeis.

Talvez, mais do que nunca, esteja na hora de repensarmos a forme em que criamos nossas crianças, inserimos informações e vivenciamos o mundo, porque estamos perdendo adjetivos e valores importantes para uma vida feliz.

Sim, felicidade é mais importante que itens, títulos e aparências.

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A Família

Faz exatamente 4 meses a primeira vez que cliquei num link que me levaria ao blog Notas sobre uma escolha e que tocaria profundamente e me apresentaria as reflexões aqui descritas.

Nele consta o relato de Manu e Hugo, com seus dois filhos, Tomé de 2 anos de idade e Nina que na época da mudança ainda habitava o ventre da mãe, com 7 meses. Em julho de 2013 a família escolheu deixar a cidade onde morava, Lagoa Santa/MG e partiram rumo à Chapada Diamantina/BA.

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Como dito no primeiro texto no blog “toda escolha é, de alguma maneira, uma troca. É preciso sempre deixar alguma coisa para poder conquistar outra” e assim fizeram. Trocaram as facilidades e distanciamentos da cidade para entrar em contato profundo com a natureza, plantar e colher, saciando não só as necessidades da carne, mas principalmente a fome da alma.

Antes que qualquer crença de acreditar que tal escolha é uma loucura, tudo que importa é ofertado. Há terra para plantio, uma casa simples, mas aconchegante, a saúde fica por conta do SUS, no qual Maridalton pessoalmente foi fazer o cadastro da família e citando Manu “Não somos mais um número de carteirinha, aqui cada pessoa é realmente uma pessoa”.

O pequeno Tomé, ainda não vai para escola, uma decisão tomada pelos pais que acreditam não ser necessário, que há amor e oportunidades para que a criança explore suas capacidades com todo o acolhimento necessário na família, mas nem por isso estão isolados. Todos das fazendas de café tem famílias grandes e há crianças por todos os lados para brincadeiras e descobertas.

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Apesar de não serem ainda totalmente auto-suficientes e irem ao mercado comprar produtos de higiene e alguns itens que ainda não são plantados, é com orgulho que é informado no blog que quase 70% do lixo produzido pela família é orgânico e com isso a natureza agradece.

Vendo as imagens das hortas, da vida na natureza, de crianças descalças, certa nostalgia me bate ao peito, de uma época de minha infância que corria com uma caneca na mão em busca do leite espumoso e quente que era ordenhado por meio tio. Viver suja de terra, correr atrás de galinha, me fez perceber – juntamente com a história aqui narrada – que estamos sobrecarregados daquilo que não importa.

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A alegria de conhecer os vizinhos, trocar um punhado de açúcar foi sendo engolido pela estranheza das edificações, que teceram muros não só em volta de nós, mas dentro do peito, nos cercando em medo e indiferença.

Este texto contém a esperança velada da autora por dias mais simples e sinceros e a breve descrição dessa família que merece aplausos, que pode ser acompanhada no blog pessoal, recheado de fotografias encantadoras.

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Antoine de Saint-Exupéry, escritor do famoso livro O Pequeno Príncipe, citado por 9 em 10 pessoas, escreveu um diálogo em seu livro que me marcou profundamente, desde muito nova. Apesar de ser clichê – como coloquei – não acredito que qualquer outra frase se encaixe melhor aqui, na expectativa que cada vez mais possamos apenas ver, porque:

“O essencial é invisível aos olhos”.

  • Todas as imagens e informações aqui contidas foram retiradas do blog e obtidas mediante aprovação.

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Da escolha de ser Professora

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Adrien Brody no filme “Detachment” ou “O Substituto” no Brasil. Provavelmente um dos melhores filmes que já vi e aconselho para todos, principalmente para aqueles que resolveram se desbravar pelo mundo da educação.

Pergunto-me intensamente qual seria a reação de minha mãe se tivesse informado que pretendia fazer graduação em Engenharia Civil “Muito bom querida, é uma area em expansão no Brasil” ou quem sabe Medicina “Certamente se você fizer a escolha certa, terá um ótimo salário”, porque quando informei-a que pretendia ser Professora – e digo mais, Professora de História – ela me questionou pelo telefone “Você quer matar sua filha de fome?” e no final da ligação ainda informou “Mas esses dias no jornal vi que espancaram um Professor na saída da escola”.

Sou uma otimista, algo recém adquirido admito, mas nem por isso menos eficaz. Ando realmente acreditando que posso mudar o mundo. Desisti daquela ambição por ser rica, ter uma casa luxuosa, dinheiro para bebidas caras todos os finais de semana e viagens incríveis repletas de… Fotografias bonitas. Cansei, desisti, acho que quando o útero – ou o coração – adquiriu um filho as prioridades se invertem.

Claro, precisamos comer, viver, ter o básico e um pouco mais para certo conforto, mas não é necessário metade daquilo que ambicionamos. É preciso esclarecer que também não julgo aquele que escolhe a profissão baseado no retorno financeiro ou que realmente ama aquilo que no final vai te deixar rico – e te invejo, deve ser fantástico ter potencial para ter dinheiro – mas decisões tão impactantes quanto o que você pretende ser pelos próximos anos da sua vida, devem sim ser baseados em algo mais que dinheiro.

detachment2011220605.jpg “Eu nunca me senti tão profundo… e ao mesmo tempo… tão alheio de mim e tão presente no mundo”.

Porque este mesmo dinheiro que você tanto quer, ainda vai ser aquilo que você vai precisar para comprar seu anti-depressivo ou será a corda no seu pescoço.

Preciso deixar aqui um relato do porque escolhi ser professora num país onde professor é saco de pancada, idiota otimista e insensato, que mesmo sendo a base para todos os outros conhecimentos, é visto como um simples bobo com jaleco e livros na mão.

Nasci e vivi grande parte da minha vida de 20 e poucos anos numa cidade chamada Pindamonhangaba, interior de São Paulo, cortada pelo Rio Paraíba e cheia boa gente e babacas que ignoram a faixa de pedestre. Toda cidade pequena tem seus males, mas os amores são incontáveis. Entre a 5° série do ensino fundamental a 8° série estudei numa escola estadual.

Nessa época minha vida em casa era uma tragédia grega, meus pais nunca foram as pessoas mais centradas e focadas nos filhos que conheço e uma boa dose de azar me colocou em situações que não desejo para ninguém. Eu tinha uma história de amor e ódio com a escola. Amava a fuga, os livros, os professores e alguns colegas.

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“Quantos de vocês já sentiram o peso pressionando as suas costas?”

Odiava aquele sistema, o fato de que algumas coisas que aprendia nunca seriam aplicadas na minha vida porque era me passado de uma forma meio quadrada. Sempre achei que o sistema brasileiro de ensino precisava de reforma, mas não essa reforma que Dilminha fica proclamando sem mover uma palha considerável. É necessário criar jovens pensadores, não jovens rápidos em escrever e decorar. É algo que leva muito mais tempo, está inserido no âmago da sociedade e é preciso transformar algo muito mais complexo que a conduta – é preciso transformar o acreditar daquela criança que vai para a escola achando que é obrigado a aprender, não que é uma oportunidade incrível aprender para fazer do seu meio um local melhor.

Acontece que tive professores incríveis. Lucimar com seus cabelos coloridos me ensinou a primeira música dos Beatles. Solange era uma senhora meio mal humorada, mas até hoje posso te explicar tudo que você precisa saber sobre citologia – e sinceramente, meus trabalhos de ciência foram uma arte. Professora Fátima foi minha maior incentivadora, leu meus primeiros contos e textos e sempre pedia mais e a matemática, aquela danada que me dava crises, chegou quase a ser uma amiga quando quem explicava era a Bibba.

Mas o que mais me modificou foi a Professora Renata, que me ensinou sobre a civilização egípcia, sobre a república velha, a Segunda Guerra Mundial, me deixou curiosa a ponto de ler quase todos os livros sobre política e história da biblioteca. Cada um deles plantou a semente da curiosidade em mim, me fez sentir satisfação em acertar algo e a teimosia para querer arrumar aquilo que apenas não dava certo.

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Por isso que quando liguei para a minha mãe, sabia que ia ouvir piada, sabia que os próximos anos seriam uma árdua tarefa, porque não me basta apenas ser professora, necessito conseguir um pouco do que muitos fizeram por mim. Porque se conheci pessoas terríveis em minha vida, conheci alguns que apenas me ensinaram a buscar formas de ser uma pessoa melhor.

Há 40 anos o magistério era um caminho profissional sensato para moças escolherem, continha em si certo nome e lembro que uma amiga bem mais velha contou que em sua época não havia tantas opções e esta era a mais rentável. Uma visão que se modificou drasticamente, já que todas as percepções sobre foram pintadas sobre um pano de fundo negro, não bastasse “matar um leão por dia” em sala de aula, o grande vilão se torna o próprio empregador, o Governo, por vezes.

Não sendo tão radical, alguns incentivos à educação e ao professor vem ganhando espaço, mas nem de perto o que deveria ser. A falta de interesse pela aprendizagem por parte dos jovens é quase algo cultural, um aspecto em que a necessidade de aprender apenas abrange a possibilidade de um bom emprego, não na formação de um bom cidadão.

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Se na minha casa aprendi que o dinheiro era mais importante que tudo, foi na escola que consegui compreender que você não é nada sem uma boa dose de reflexão, que por mais delicioso que seja ter muito na carteira, a tristeza de ter nada dentro de si é incomparável.

Dizem que um país é nada sem educação, digo que um país é nada sem educadores.

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Qual a idade de uma mãe?

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Manu tem 26 anos, formada em Direito, é casada há 3 anos, namorou 4 anos e depois de muito planejamento e de já ter a casa própria, carro e vários carnês quitados, foram para o cartório oficializar tudo. Foram anos de viagens e diversões, até que certo dia aconteceu o “acidente ” e ela se descobriu grávida. Foi uma alegria que só vendo, marido se sentindo um reprodutor, a vovó já tricotando os sapatinhos. Foram 9 meses de espera desfilando a barrigona e sendo feliz. Tudo ótimo, obrigada.

Taís tem 16 anos, está no segundo ano do colegial, mora com a mãe que é vendedora numa loja de sapatos. Namora há 5 meses e se vê numa encruzilhada: aconteceu o “acidente”. A mãe não fala com ela há 3 semanas, com aquele olhar de decepção. O namorado está desesperado, não sabe como conseguir um emprego. Taís esconde a barriga o máximo que pode, tem medo do que todos vão falar quando descobrirem.

Infelizmente vejo muitas Manus falando sobre maternidade e gravidez e quase nenhuma Taís. Provavelmente a vergonha de ser mãe aos 16 suplante qualquer felicidade por vezes, digo isso porque eu me encaixo no segundo caso.

Aos 15 engravidei e me perdi. O que seria da minha vida agora? Ouvi muitos “Falta de juízo”, “Agora você vai ter que trabalhar para cuidar do bebê” e o famoso “Se não der certo você vai ter que criar esse filho sozinha”. Me perguntei várias vezes se tudo seria melhor se eu estivesse naquela mesma situação 10 anos depois, se o meu acidente seria o mesmo acidente de alguém com a vida mais “segura”.

Veja bem, não estou dizendo que está tudo bem você engravidar aos 16, nada está preparado para isso e principalmente o corpo, porém se aconteceu acredito que o mundo deveria acolher essa nova mãe. Se acham que uma mãe jovem vai afogar o bebê para ir ver high school musical, o que exatamente acontecerá se essa mãe for julgada?

Fiquei 9 meses sem sair de casa e acabei virando uma daquelas doidas por TV, até que certo dia vi um famoso programa onde uma socióloga falava sobre o problema social que era a gravidez na adolescência, lá mostrava como várias mãezinhas abandonam a escola e como os relacionamentos que originaram o bebê se desfaziam num prazo de meses. Minha sina estava sendo mostrada para mim e eu estava lá de olhos arregalados. Eu era um problema social.

Eu não ia estudar, não ia ter um relacionamento saudável, minha filha provavelmente ia engravidar cedo porque ia me ter como péssimo exemplo.

Passou a gravidez, passaram os traumas. Laura nasceu e Laura faleceu. A raiva veio e a raiva foi.

Restou muito vazio e pouco daquela jovem grávida.

Os anos me trouxeram alguma visão e eu finalmente externei tudo isso. Eu nunca fui ou serei um problema social. Gravidez na adolescência é como gravidez em qualquer momento, exige cuidados especiais, mas e daí? Não é para ser, todo mundo sabe, eu sabia sobre camisinha e todo o resto e mesmo assim aconteceu.

Acidentes vão sim acontecer, assim como acontece com as Manus por aí. Você faz sexo, você pode engravidar, sempre vai existir o 0.000.000,01% e como vamos julgar quando isso acontecer? Vamos falar para todos não fazerem sexo antes do casamento? Isso já é dito e me mostre quantos seguem essa lei.

É muito mais sensato mostrar para aquela menina despreparada que ela pode estudar, pode sim casar com aquele namorado ou qualquer namorado que vier, ou pode simplesmente criar a filha sozinha e fazer isso muito bem. Pode e deve levantar a cabeça e mostrar aquele barrigão lindo e cheio de estrias, porque um bebê é sempre lindo.

Ao invés de transformar esse momento num problema, pode-se transformar esse momento num caminho, numa seta para cima, fazer da maternidade uma redenção, não um caixão.

Dar condições para que a criação daquela criança seja boa e num futuro ela tenha consciência sobre isso e desencadeie mais gerações com essa ideia.

Assim foi para mim, vou fazer 21 anos e tenho a filha mais linda desse mundo – assim como todas nós temos os nossos mais lindos do mundo.

Helena tem uma irmã, Laura, que está em algum lugar longe de nós e eu sobrevivi, larguei os estudos por um tempo, mas conseguir terminar, desfiz vários relacionamentos, mas não me frustrei.

Em algum momento dessa linha que liga minhas duas filhas descobri que existe uma luz no fim do túnel e que minha idade ou minhas condições não me limitam, a única coisa capaz de me limitar é o que eu penso sobre tudo isso.

Texto produzido para o site Minha Mãe que Disse.

Pobre, Negro, Homossexual

Texto produzido para o Não Matarás – meu espaço na Obvious.

desespero.jpg Lázaro Ramos no filme “Meu Tio Matou um Cara”.

Sou branca, hétero, meu pai trabalhou sempre em uma fábrica, então tive ao meu dispor plano de saúde, escola particular e acesso ao que queria. O máximo de preconceito que posso dizer que passei na vida foi o de ter alguns quilos acima do ideal e de ter gerado minha primeira filha com 15 anos. Com isso já sofri um bom tanto, tendo que ver descrença no olhar das pessoas mais próximas e piadinhas ridículas, ter sido englobada numa estatística social patética.

Mas ainda na escola, lembro-me de um menino que estudava comigo, ele tinha uns 5 anos de idade e adorava minhas bonecas. Eu costumava deixa-lo brincar com elas, já que gostava de ficar pulando em folhas secas e tinha tempo com elas em casa. Depois de uns 9 anos eu encontrei-o novamente, na mesma escola onde cursei o final do ensino fundamental e em determinado momento fui chamada para o antigo Grêmio Estudantil. Para você que não acredita, a escola tem suas próprias regras sociais e não ser englobado naquilo pode render lágrimas amargas, adolescentes já são dotados de uma crueldade sagaz.

Em determinado dia, descendo as escadas, o vi chorando encostado na parede do banheiro masculino, que era visível da onde estava. A lei que impera é de quando alguém estiver chorando, você apenas se desloca para o lado e segue em diante e foi isso que fiz. Já no pátio um dos meninos do Grêmio iria me contar sorrindo, muito feliz, que haviam encontrado uma calcinha na mochila do rapaz em questão.

Na hora, senti uma gosto amargo na boca. Aquele peso, as bochechas quentes, uma sensação de que não devia estar lá, mas não falei nada. Fiz que sim com a cabeça e esbocei um leve sorriso. Hoje, se pudesse voltar atrás, me daria um tapa na face.

Nunca em minha vida tive qualquer preconceito com a classe social, a cor, a preferência sexual, mas com o tempo percebi que o silêncio era tão danoso quanto. Aquele meu silêncio de 8 anos atrás foi algo, porque aquele menino que um dia brincou comigo, compartilhou minhas bonecas e viria ganhar meu respeito estava chorando no banheiro porque haviam invadido sua privacidade, humilhado pelas suas escolhas e eu não o defendi por medo. Medo do que aquilo causaria na minha nova rede de amigos.

sigourney-weaver-prayers-for-bobby1.jpg Cena do filme “Orações para Bobby”, que conta a história real de Bobby Griffith e sua família extremamente religiosa que se vê diante da descoberta do filho homossexual. Devo admitir que chorei mais do que o normal com este filme.

Por isso se faz necessário conversar sobre Kaique Augusto, o jovem que foi encontrado morto no dia 11 de janeiro em São Paulo e a Polícia Militar viria a recolher o corpo e relatar como Suicídio. Todas as polêmicas possíveis rondaram o caso: não é suicídio, foi assassinato, deixaram o corpo fora da geladeira no IML e tantos outros, mas a boa verdade que acredito é que aquele que matou ou o ato que empurrou Kaique daquele Viaduto está velado em nós. Que tudo vemos e nada fazemos.

Numa reportagem mais atual a mãe diz não acreditar mais em assassinato, que confirma o suicídio do filho e o advogado da família ainda fala “Pedimos desculpas à policia e aos grupos como skinheads que foram apontados como autores do crime”. Você, leitor, consegue encontrar o erro nessa frase?

Kaique virou o culpado do que lhe ocorreu, porque no nosso país existe uma crença de que é fácil ser pobre, negro e homossexual. Porque se você é negro e está no shopping, uma família branca com seus três filhos segurando o mais novo iPhone vai temer por sua segurança, achando que será alvo de roubo. Um conceito enraizado e negado por muitos.

negro.JPG Um ótimo exemplo do que muitos pensam e poucos falam. Comentário postado no Yahoo Respostas e pode ser visualizado aqui.

Segundo o Mapa da Violência, que faz um estudo baseado em dados, o último relatório que determina os homicídios do Brasil por cor, a vitimização de negros teve uma aumento chocante, um fato que obviamente ninguém comenta.

Temos vários estereótipos a disposição e o velho discurso de que “Não se discute religião, política e futebol”. Discute-se sim. Se faz necessário discutir o que estamos fazendo com nossos jovens, com nossos filhos, com o nosso decadente futuro próximo.

A religião prega amor, mas ao mesmo tempo diz que é errado duas pessoas se amarem, porque é necessário ter um pênis e uma vagina para abrigar o sentimento de forma valorosa. E claro que isso não deve ser questionado. A meu ver, o que contradiz o que muitos alegam sobre ” O Homossexual é uma afronta a família” é a única afronta que encontrei na vida, que foram país héteros traumatizando filhos, adultos abusando sexualmente de crianças ou famílias praticando o ato de não refletir, criando pequenos seres cheios de ódio e preconceito.

Assim como a opção sexual, a pobreza também é estigmatizada. Pobre sempre tem que trabalhar mais, estudar mais, compensar mais, mais e mais, porém é disponibilizado pouco. Ser pobre, negro e homossexual poderia facilmente retirar o individuo do radar das oportunidades e coloca-lo no alvo para o próximo que vai ser violentado, humilhado e assassinado. O culpado quando localizado, ganhará condicional em pouco tempo, terá uma bela manchete e pronto, estaremos aguardando ansiosamente a próxima notícia.

E meu amigo de infância, a este foi reservado um futuro onde ele é chamado de viado, apontado como pária, onde os grupos de skinhead merecem um pedido de desculpa, porque realmente, dessa morte vocês não foram culpados. Tudo isso encoberto com aquela boa dose de silêncio que faz parte da nossa vida, aquela negação que ainda nos levará – se já não leva – a lágrimas amargas.

Estamos engatinhando ainda para um país onde as pessoas ao menos se interessem por saber o que significa o respeito, a reflexão, o questionamento. É necessário paciência e diálogo, não basta não concordar, levantar as mãos e afirmar ” Mas eu não faço isso “, tais atitudes nunca mudaram nada.

E nossa realidade clama desesperadamente por mudança.

Fonte da notícia: iGay

http://lounge.obviousmag.org/nao_mataras/2014/01/pobre-negro-homossexual.html#ixzz2sgGPmweA