Transtorno Mental: o eterno tabu de uma sociedade que ri dos problemas alheios

 

Van-Gogh

Faz 5 anos que minha mãe foi diagnosticada com Transtorno Bipolar. Fazia anos que ela apresentava comportamentos estranhos e por um bom tempo apenas acreditei que minha mãe era uma péssima pessoa, instável, incapaz de distinguir o certo e o errado, com episódios cada vez mais agudos de euforia insana ou uma tristeza absoluta. Foram incontáveis os dias que não havia comida em casa, que a conta de telefone chegava ultrapassar 500 reais, onde humilhação e violência era comum. Houve dias em que fui dormir sonhando com o dia em que iria acordar e ela não estaria mais lá.

Em 15 anos de diagnósticos imprecisos ou errados, medicações errôneas e um preconceito sem fim, minha única forma de contenção foi buscar informação. Para minha família ela sempre foi a louca, maléfica, “mantenha distância”, para mim era um constante motivo de vergonha, na escola, em eventos, com pessoas do meu próprio sangue era exigido um sentimento negativo. Ninguém podia amar ou compreender porque alguém fazia tanto mal, só que antes de qualquer um, minha mãe era vítima de si mesma.

Não é fácil, porque mesmo com a medicação e terapia correta, depois de algumas internações e com as crises contidas, ela não tem um comportamento “comum”. É um exercício diário de paciência, mais que isso, é uma luta eterna contra o preconceito de uma sociedade que acha engraçado quem sofre de transtornos mentais.

Já faz 3 anos que estava num ônibus a caminho do curso que fazia em São Paulo. Ao meu lado havia um homem que aparentava ter uns 25 anos e segurava a mão de uma mulher um pouco mais jovem talvez, em determinado momento entrou um garoto com uma camiseta da APAE. Meio deslocado ele ficou do nosso lado, segurando um dos bancos para não cair com o sacolejar da condução.

Os dois olharam, deram risada e por final concluíram “Deixa o APAE passar, se ele ficar aqui vai cair em cima de alguém”. O menino seguiu em frente, já que as pessoas foram abrindo passagem para ele, alguns rindo, outros com um olhar óbvio de nojo. Naquele momento decidi que iria embora de São Paulo. Deixei o curso, deixei tudo e voltei para casa.

Vi coisas semelhantes durante muito tempo, com minha mãe, com amigos dela, com pessoas na rua, no ônibus, tudo evidência que não estamos prontos para compreender que Transtorno Bipolar não é frescura, que Síndrome do Pânico não é contagioso, que Esquizofrenia não transforma o indivíduo em criminoso, que nada disso é piada.

O “louquinho” da rua tem um problema sério, que precisa de tratamento, respeito e não é menos digno de condições onde possa viver com qualidade.

A Associação Brasileira de Psiquiatria revela: cerca de 30% dos brasileiros irão desenvolver algum transtorno mental ao longo de sua vida, ou seja, provavelmente toda pessoa possui algum familiar, conhecido, amigo ou irá conhecer alguém que sofre com este problema.

Na maior partes dos casos é necessário o auxílio ativo da família e do entorno para o diagnóstico e tratamento correto, já que aquele que sofre com a doença em si geralmente não está apto a perceber seus próprios sintomas e procurar a ajuda correta. Mais do que rir, é necessário agir.

Pesquisadores da Grã-Bretanha e da Suécia, que estudaram as taxas de crimes violentos entre pessoas com transtornos mentais graves, confirmam que a maior causa do comportamento violento contra o próximo e a si mesmo é gerado pelo uso de drogas e álcool.

“O abuso de substâncias é realmente o mediador-chave de crimes violentos. Se você ignorar esse consumo, a contribuição da doença é muito pequena”, disse o especialista Seena Fazel, do departamento de psiquiatria da Universidade Oxford, que conduziu o estudo. O uso de substância nocivas é algo comum para pessoas não diagnosticadas corretamente e em tratamento, já que elas afetam diretamente as relações pessoais e com a sociedade, causando ainda mais estresse.

Fatores sociais e culturais “parecem influenciar a apresentação clínica, o
diagnóstico e o tratamento [Transtorno Bipolar] desta doença”, contatou um artigo publicado na Revista Brasileira de Psiquiatria, intitulado: Transtorno afetivo bipolar: um enfoque transcultural.

Tendo em mente tais informações, podemos concluir que por mais que o comportamento violento seja visto em alguns casos, eles são principalmente gerados pela falta de tratamento e uso de substâncias provenientes do mesmo motivo. Nossa sociedade está acostumada a perceber qualquer transtorno mental como algo vergonhoso, perigoso e que merece ser repudiado, criando então uma cultura onde não é apenas difícil encontrar solução para o problema, mas onde aquele que apresenta a doença é hostilizado, vítima de violência e um preconceito constante.

Atualmente a impressa divulgou mais um dos casos dos justiceiros e a vítima da vez foi Fabiane Maria de Jesus, uma dona de casa portadora de Transtorno Bipolar, que foi cruelmente espancada, apedrejada, arrastada por 300 metros e lançada de uma ponte, porque dezenas de pessoas acreditavam que ela fosse a sequestradora e assassina de crianças da região. Um crime que nem sequer foi confirmado e uma sentença deferida por pessoas que ouviram apenas uma resposta de Fabiane diante da questão “Você gosta de criança?”. Sim, ela gostava de crianças, tinha duas filhas.

Assim como minha mãe, posso vir a apresentar os sintomas de Transtorno Bipolar nos próximos anos, mesmo ainda não comprovado se a genética influência diretamente na doença, já foi constatado que existe uma tendência. Escrevo isso não só pelo medo evidente de como reagimos a quem possui qualquer tipo de transtorno mental, mas porque começamos a acreditar que é natural tal repúdio.

É visível que isso está causando mortes, danos severos em famílias, destruindo sonhos e vidas. Hoje enquanto fazia almoço lembrei daquele menino com a camiseta da APAE e silenciosamente desejei que daqui uns anos a realidade dele seja melhor, porque não terá tantas pessoas achando engraçado algo que ele não pediu para ter.

Fontes de Pesquisa: Violent Behavior and Mental Illness: A Compendium of Articles from Psychiatric Services and Hospital and Community – American Psychiatric Association.
TRATAMENTOS PSICOSSOCIAIS PARA O TRANSTORNO BIPOLAR – Dra Rosilda Antonio
TRANSTORNO BIPOLAR, DOENÇA MENTAL GRAVE, OCORRE MAIS NO ADULTO JOVEM
ABRATA – Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos

 

Deixe suas palavras